Textos de acceso libre
Coronavirus.
Alicia Beatriz Dorado de Lisondo
Campinas Area, Brazil, 3 de abril de 2020.
Ante as circunstâncias terríveis deste momento e as indagações, incertezas e angustias de todos nós, compartilho com vocês certas reflexões e experiências, após ter participado de vários grupos de discussão entre colegas, leituras e trocas de experiências. Agradeço a todos às contribuições recebidas, a solidariedade, a continência ao pertencer a uma rede afetiva.
Reflexões.
- Esta nova realidade nos obriga a pensar as implicâncias das mudanças da Techné na transferência.
- Oportunidade impar para pensar no refinamento, na filigrana da sessão e da Techné.
- Como pensar o fato clínico?
- A distância é geográfica, nunca emocional. Nossa presença não é concreta para os pacientes com capacidade simbólica. Nosso desafio pode vir a ser construir esta capacidade passo a passo, nos pacientes com pensamento concreto. Dar figurabilidade, nomear, armar a equação simbólica e a metáfora.
- Nossa humildade nos pode ajudar a considerar que áquilo que nos parece IMPOSSÍVEL HOJE, pode ser o que ainda não foi pensado. Quantas mudanças na Techné temos observado no percurso da história psicanalítica?
- Nos pode ser útil seguir às recomendações técnicas de Bion para trabalhar sem memória sem desejo, sem compreensão. De esta forma podemos estar abertos para o novo, o desconhecido, e observar o que surge a cada encontro.
- Re-acomodar a agenda para ter os intervalos de descanso necessários, para estar com as melhores condições psíquicas de trabalho, sem chegar ao esgotamento. Respeitar nossos limites.
- Nós estamos no mesmo barco, como nos lembra Sergio Nick. Podemos estar identificados com o paciente. A disciplina analítica nos exige ir além do discurso manifesto, para mergulhar na singularidade da relação analítica, com cada paciente a cada sessão e a cada momento de cada sessão.
- Claro que estas mudanças também vão ter efeitos a posteriori, après-coup.
- …
Condições para preservar a necessária postura analítica:
- Manter o setting para trabalhar por SKYPE, FACE TIME, TE ou algum outro dispositivo, sempre que possível.
- Combinar com o paciente a via escolhida para o trabalho. Cuidar da privacidade, intimidade e vestimenta adequada, de ambos os participantes da relação.
- Conversar com o paciente sobre a possibilidade de trabalho cara a cara ou sem a visão do rosto, só usando a escuta. Qualquer que seja a escolha, ela pode merecer ser explorada analiticamente no momento oportuno.
- Apresentar o “novo” local de trabalho. Eu estou no consultório de sempre, só que numa outra posição… Ou eu estou no escritório da minha casa. A questão é cuidar o paciente e também nos proteger NÃO ESQUECER QUE O TERAPEUTA É UM MODELO DE IDENTIFICAÇÃO E É UM SER HUMANO.
- Atender sempre que seja possível do mesmo local geográfico.
- Com as crianças continuar o trabalho nas entrevistas com os pais.
- Numa entrevista com os pais combinar o novo setting para trabalhar com as crianças com a ajuda deles. Mostrar que os pais e /ou cuidadores podem vir a ser nossos melhores aliados neste momento. Solicitar para poder trabalhar melhor, que eles com o paciente, armem na casa “uma caixa” com material gráfico, tesoura, barbante, bonecos, carros, animais, ambulância, médico se possível. Conversar para que essa caixa seja só usada na hora da terapia.
- Conversar oportunamente com as crianças o que está acontecendo com um bichinho muito perigoso chamado Corona Vírus.
- Afirmar que a caixa compartilhada por nós no consultório está sendo cuidada neste lugar. Mostrar a caixa.
- Encorajar a tomar consciência que sem nos tocar, sem tocar nos brinquedos… nos estamos cuidando. O paciente nos está ajudando a cuidar de nosso corpo / organismo, para não ficar com dodói, não precisar ir ao hospital, não precisar tomar injeções, cuidar da nossa saúde , dos pulmões. Dosar às informações acorde a idade mental das crianças / adolescentes.
O conceito de ser agente, de encorajar as potencialidades de Eros, permite que o pequeno sujeito possa se sentir ativo, capaz de construir, de oferecer amor, de reparar e transformar. Estamos fazendo COM eles e não POR eles.
- Observar, aguardar, usar de nossa capacidade negativa, de nossa contra transferência, de nossa criatividade, do bom senso para re-instaurar o processo.
- Com crianças pequenas e/ou muito perturbadas, desenhar para elas, usar a figura e/ou um bicho tridimensional para dramatizar, colocar em cena o que o bicho pode vir a fazer se a gente não se cuida. Eu adapte uma bola pequena de borracha com saliências, usada em fisioterapia, e a fure com pregos grandes que pinte de preto para representar a este vírus.
- Outra possibilidade é gravar videos, usando o repertório construído já na relação, para manter o vinculo e enviar a cada dois dias, ao menos.
“Olha aqui “o cachorro amigo que faz UAU!! Chora !!!! Está com saudades de Pedro!!!”
Exemplo Clinico.
Hoje mesmo atendi a uma mãe com o filho de 2a e 8m. Ninguém tinha lhe explicado porque não estava indo na escola, porque não podia estar com sua avô . Em quanto ele rabiscava com força folhas de papel sentado no chão, a mãe narrava quanto a vida do filho estava alterada. "Acorda aterrado de noite. Está inquieto, hiperativo.”…Quando eu mostrava que a vida de todos tinha mudado muito. Mas que X estava sentado, nos mostrando a raiva, ele me olho e buscou o colo da mãe para ficar melhor posicionado.
Ao final da sessão, a mãe indaga se sendo tão pequeno X teria entendido, minha interpretação sobre o bichinho perigoso.
Ele imediatamente acena com a cabeça afirmando sua compreensão. A mãe completa que a avô é mais velhinha, mais fraquinha. Enfatizo a importância dela poder conversar com o filho e agrego que ele não é o bichinho perigoso. Todos cuidam muito da avô quando não estão com ela, e assim o bichinho maldito, pode ficar longe da avô …..
Com a clinica aprendemos e esculpimos nossa identidade sempre inacabada.
Com o desejo que cada um de nós possa ser um agente multiplicador, e que possamos juntos continuar a pensar.
Um forte abraço e que o pesadelo seja superado da melhor forma possivel.
Rotina. Desmantelamento. Contorno.
Acerca de la autora:
Alicia Beatriz Dorado de Lisondo.
Psicanalista Didata, Docente, Psicanalista de Crianças e Adolescentes pelo IPA (International Psychoanalytic Association) do GEPCampinas e da SBPSP.
Membro de ALOBB e Co-Coordenadora do Grupo de Adoção e Parentalidade da SBPSP.
Membro do grupo de pesquisa Protocolo PRISMA na SBPSP.
Ganhadora do Prêmio FEPAL: “Rêverie revisitado”, publicado no Jornal Latino americano de Psicanálise, n.9, 2010.
Prêmio Dr. José Bleger: Aplicação do Conhecimento da Psicanálise para atuar em um Serviço de Psicopatologia Institucional pela Associação Psicanalítica Argentina, em coautoria com o Dr. Raul J. Capitaine, 1976.
alicia.beatriz.lisondo@gmail.com.br
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